O estereótipo feminino no universo cinematográfico
- revistaelas
- 27 de out. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2021
É muito comum, atualmente, ao ligarmos a TV ou acessarmos quaisquer plataformas de streaming, nos depararmos com inúmeras personagens femininas preenchendo as telas. Essas diversas personagens podem estar em todos os tipos de papéis - podem ser protagonistas, antagonistas, figurantes, etc.
No entanto, será que a presença de tais figuras, é o suficiente para suprir a necessidade social da representatividade? Afinal, de que forma as mulheres da vida real estão sendo representadas no universo cinematográfico?
Sabemos que há muitos anos a sociedade vem lutando contra os estereótipos de gênero, que preveem, basicamente, como mulheres e homens devem se portar ou se vestir – meninos devem vestir azul, meninas devem vestir rosa, homens não choram, mulheres são dóceis e frágeis. Nas representações cinematográficas, essa pauta também está sendo levantada pelos críticos e estudantes da sétima arte.
“Nós estamos falando em anos e anos de representações falhas de mulheres. Essa discussão é muito recente, porque anos atrás, só a presença de uma personagem feminina no trio principal de amigos já era muito mais que suficiente para a questão da representatividade”, diz Alexandre William, formado em Cinema e Audiovisual pela PUCPR.
“Nós temos alguns métodos para tentarmos analisar se o filme é de fato representativo para com mulheres ou não, como o Teste de Bechdel, e alguns outros estereótipos” - complementa.
O Teste de Bechdel
Seu surgimento ocorreu por volta de 1985, e questiona três simples fatores acerca de um filme:
O filme tem duas ou mais personagens femininas com nomes?
Essas personagens conversam entre si?
Os temas dessas conversas são algo que não sejam relacionados a homens ou relacionamentos românticos?
É surpreendente a quantidade de filmes que seria marcado como “não-representativo” quando respondemos à essas perguntas. “O Teste serve para nos lembrar como a simples presença de personagens femininas não é o bastante. A ideia do cinema é representar a realidade, ou parte desta, e se estamos criando mulheres que não passam nesse teste, então não estamos criando pessoas de verdade”, diz Alexandre.
O teste não tem relação com a qualidade da obra, é importante frisar, ou até mesmo se a obra é minimamente relacionada a causas feministas; e sim trazer questionamentos e reflexões sobre a participação das mulheres nas obras que consomem.
Os Estereótipos
Há alguns anos, vem surgindo na comunidade crítica do cinema termos bem utilizados para representar um tipo de personagem, que sempre condiz com as mesmas características. Preguiça dos roteiristas hollywoodianos em gerais, ou seria simplesmente a forma como a sociedade enxerga mulheres e suas personalidades?
Mulher na Geladeira
O termo “Mulher na Geladeira” foi criado em 1999, pela reconhecida escritora de HQs Gail Simone, e se refere à existência de mulheres que serão assassinadas, violentadas ou brutalmente torturadas para gerar no herói da trama um sentimento de vingança ou motivação – alô, Gwen Stacy?
“O termo surgiu pela edição n°54 dos quadrinhos do Lanterna Verde, de 94. Nessa edição, ele volta para casa e encontra o corpo de sua namorada na geladeira, o que o leva a buscar vingança do seu inimigo Major Força e dar continuidade à história dele”, explica Alexandre. “Nesse caso, é sempre bom lembrar que o problema não é os roteiristas matarem uma mulher, e sim o motivo pelo qual eles mataram. É preguiçoso justificar todos os atos de um herói pela sede de vingança, além de extremamente clichê”.
Gail Simone também criou um site, chamado “Women in Refrigerator”, que conta com uma lista com mais de cem filmes que trazem, em seus pontos altos de trama no roteiro, uma Mulher na Geladeira.
A Manic Pixie Dream Girl
O termo traduzido para “Garota Maníaca Fada Sonhadora” foi criado pelo crítico de cinema Nathan Rabin, após uma análise do filme “Tudo acontece em Elizabethtown”, e hoje é possível se listar inúmeros filmes em que a Manic Pixie Dream Girl aparece.
Essa personagem é bem definida – são mulheres lindas, brancas, descoladas, divertidas e compreensivas, e que servem simplesmente para motivar o mocinho deprimido, sensível, que está passando por algum momento difícil.
“No mundo de acordo com Hollywood, homens são muitas vezes descritos como os protetores, os heróis, mas as vezes toda essa pressão de mandar no mundo inteiro realmente os deixa para baixo. Aí que entra a MPDG, o raio brilhante de alegria e quase infantil que irá rejuvenescer nosso herói caído”, define a colunista Anita Sarkeesian.

Foto: manualdosgames.com
O Princípio Smurfette
Esse termo, criado em 1991 pela crítica e colunista do New York Times, Katha Pollitt, representa aquela única personagem feminina dentro de um grupo grande de homens.
“A existência dessas mulheres é pura e simplesmente para cumprir a necessidade de termos uma mulher num grupo de pessoas. Ela está ali para representar todas as mulheres do mundo, e enquanto todos os outros personagens homens têm personalidades e características diversas, ela é a representação viva do que se espera de uma mulher”, explica Alexandre.
O termo carrega em seu nome um exemplo vivo, mas são tantos outros que tomaria todo o resto dessa matéria – alguns exemplos claros são Vingadores, Star Wars, Maze Runner, Guardiões da Galáxia, Stranger Things e tantos outros, que tem como cota de representatividade feminina uma mulher branca, padrão, que existe para trazer a falsa sensação de representatividade para as obras.
A Born Sexy Yesterday
Jonathan McIntosh, crítico cultural estadunidense, criou o termo utilizando-se da expressão inglesa “Born Yesterday”, que representaria alguém ingênuo, ou inexperiente. O termo Born Sexy Yesterday se refere às personagens de cinema que são extremamente infantilizadas, que estão em um corpo (branco, curvilíneo e sexualizado) de uma mulher adulta.
A BSY é uma personagem que não tem conhecimento algum sobre comportamentos sociais básicos – ela veio de outra dimensão, ou foi criada em laboratório, ou passou tempo demais longe da civilização. Essa personagem aparece no enredo como o interesse romântico do mocinho, que vai ensiná-la a viver em sociedade.
“A BSY é uma das personagens mais fáceis a serem criadas, porque ela é tudo o que o personagem principal quer, afinal, foi ele quem a moldou. Ela fala, anda, se veste, e vive como ele gosta, porque ele a ensinou que era o jeito certo” - analisa Alexandre.
Nesse aspecto, outra questão costuma ser levantada por alguns críticos – de forma geral, a BSY é uma representação moderna do que costumava ser retratado em histórias sobre a colonização. A mulher indígena que não sabe nada sobre a civilização e é selvagem, e tem como par romântico o homem superior, sábio, experiente, que vai conduzi-la em sua jornada (se é que ela vai ter uma). Como exemplos claros para a BSY, temos Giselle, de Encantada; Leeloo, de O Quinto Elemento, e tantas outras.

Foto: woomagazine.com.br
A Angry Black Woman ou Sapphire
Sapphire Stevens foi uma personagem real de uma sitcom estadunidense chamada Amos’n’Andy, da década de 50.
No Jim Craw Museum of Racist Memorabilia, a definição da Sapphire é: “A Sapphire Caricature retrata as mulheres negras como rudes, barulhentas, maliciosas, teimosas e autoritárias.
A Mulher Negra Raivosa (Angry Black Woman) tem a língua afiada e é castradora, tem uma mão no quadril e a outra apontando e cutucando, balançando a cabeça, zombando de homens afro-americanos por ofensas que vão desde estar desempregado até perseguir sexualmente mulheres brancas. Ela é uma resmungona estridente, com estados irracionais de raiva e indignação e muitas vezes é mesquinha e abusiva”.
“A ABW é muito mais problemática, porque ela não é a representação da sociedade, mas sua existência é o que domina o comportamento de muitas mulheres negras, que tentam ao máximo não reclamar de absolutamente nada para não serem vistas e enquadradas nesse estereótipo” - comenta Alexandre.
Ainda de acordo com o Jim Craw Museum of Racist Memorabilia, “A Sapphire Caricature é um retrato cruel das mulheres afro-americanas, mas é mais do que isso; é um mecanismo de controle social empregado para punir as mulheres negras que violam as normas sociais que as encorajam a ser passivas, servis, não ameaçadoras, e... invisíveis."
Exemplos claros para representar uma Sapphire, como Rochelle, de Todo Mundo Odeia o Chris; Brenda, de Todo Mundo em Pânico, entre outras.
“O problema não é os roteiristas se utilizarem de clichês e estereótipos para criarem personagens femininas, porque isso nós vemos em vários personagens e histórias por aí. A questão é a influência que a sociedade espera que essas personagens tenham em mulheres reais" - finaliza Alexandre.
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